19 de ago. de 2010

As organizações de direitos dos animais em Portugal

Depois de um prolongado Ramadão de escritos sobre direitos dos animais aqui no word!, eis que finalmente surge um assunto inesperado e sobre o qual vale a pena escrever.

Recentemente surgiu em Portugal a primeira força política dedicada exclusivamente à causa dos direitos dos animais.
Embora para alguns elementos menos esclarecidos da sociedade portuguesa esta ideia pareça absurda (i.e. criar um partido só para defender os direitos de uma classe que nem sequer vota), a tendência internacional é mesmo esta, havendo já vários países com partidos dedicados aos animais.

Na minha opinião, faz falta haver um partido assim. São os políticos que fazem as leis e por muito que haja grupos de pressão pelos animais, a verdade é que as associações e os grupos de cidadãos não têm assento na Assembleia da República. É necessário que haja alguém, um deputado que seja, que levante questões, proponha debates e aja em prol dos animais junto do governo português e dos grupos da oposição.
E esta será a resposta a dar quando alguém perguntar qual o programa global do PPA. Qual a sua posição sobre outros assuntos sociais. Se é de direita ou de esquerda. Nada disso interessa porque o objectivo último de um partido com esta configuração não é governar um país. É simplesmente assegurar que os direitos dos animais são juridicamente implementados e respeitados.

Antes da formação do PPA português, já existiam no terreno várias associações (formais ou não) direccionadas para os direitos dos animais. Não me refiro aos grupos de protecção de animais (como por exemplo aqueles que acolhem e encaminham animais para adopção), mas a grupos dedicados exclusivamente a informar a opinião pública sobre as questões relacionadas com os direitos dos animais, e que cobrem assuntos tão díspares como a indústria das peles e do couro, o consumo de produtos de origem animal, os maus-tratos a animais domésticos e a sempre popular temática dos animais no entretenimento.
Digo "popular" porque sei por experiência enquanto activista que é mais fácil chamar a atenção das pessoas, polarizá-las e captar a sua simpatia para a causa usando um assunto que, no fundo, não requer muito do cidadão comum.
No seio das pessoas que afirmam gostar de animais, é bem mais fácil fazê-las afirmarem-se como "anti-touradas" do que convencê-las a abdicar da carne ou do uso de couro, por exemplo.

É claro que estas organizações a que me refiro não tentam vender pro-activamente estas ideias aos seus apoiantes ou a quem as aborda na rua. Mas é inegável que, em última análise, aquilo que se espera de alguém que com seriedade diga que é defensor dos animais é que ponha de parte aquilo que, na sua vida, é conseguido à custa da exploração destes últimos.

Ainda que ao longo da História de Portugal sempre tenha havido este tipo de pessoas, das que acreditam em viver uma vida livre de exploração de animais - o meu bisavô nascido no séc. XIX era vegetariano, por isso sei do que falo -, foi só no final do séc. XX que em Portugal o activismo pelos direitos dos animais se tornou organizado e metódico.

Foram surgindo organizações, umas mais conhecidas do que outras, mas foi com a criação e o crescimento da associação ANIMAL (sigla de Associação Nortenha de Intervenção no Mundo Animal) que se implementou em Portugal, de forma generalizada e reconhecível, o vocabulário que hoje reconhecemos como pertencendo ao domínio dos direitos dos animais.
Palavras como "abolicionismo", "veganismo", "libertação animal" e até a própria expressão "direitos dos animais" eram poucos usadas e eram conhecidas essencialmente em meios relativamente marginais: seguidores de filosofias ou religiões orientais, squatters anarquistas e libertários, juventude straightedge e pouco mais. Os outros - os como eu - andavam isolados.

Com a expansão da ANIMAL o léxico e, logo, a consciência do problema dos direitos dos animais começou a chegar ao público em geral.

É claro que sempre houve quem não gostasse de touradas. E é claro que já existiam outras organizações de protecção de animais no nosso país. Mas é inegável que a mediatização que hoje vemos sobre os direitos dos animais em Portugal foi conquistada a pulso, com muitas manifestações, muitas bancas, muitos folhetos e muitos e-mails.

Alguns acusam a ANIMAL de procurar o protagonismo. E então? De que vale protestarmos se ninguém estiver a ouvir? Eu sei, a intenção é que conta. E por isso é que há protestos onde só participam meia-dúzia de pessoas. Poucas mas boas pessoas.

Também se fala na reputação que a ANIMAL tem de não trabalhar bem em articulação com outras organizações. É provável.

Novamente numa nota pessoal, creio que mais vale alinharmos com um grupo que, a nível dos valores que promove, é exemplar, do que perder tempo (e paciência) em formar outra associação de cariz nacional para fazer exactamente a mesma coisa. E acabar por desistir pelo caminho.

Nestes anos que têm passado, assisti à formação e ao posterior desaparecimento discreto (no nevoeiro, qual D. Sebastião mas ao contrário) de outras associações. E isso dá-me pena, porque não ajuda em nada a nossa causa perdermos activistas por desentendimentos pessoais.

Recentemente, o PPA lançou uma petição contra as touradas e todos os espectáculos com touros no nosso país. Pouco depois, a ANIMAL emitiu um comunicado onde afirmava que o PPA já sabia que a ANIMAL iria lançar uma nova campanha em moldes similares brevemente e que, mesmo assim, avançou com a sua petição sem tentar articulá-la com o que a ANIMAL tinha preparado.
O PPA entretanto respondeu, dizendo que era a ANIMAL quem já tinha sido avisada previamente da petição do PPA e não quis juntar-se a este.

O resultado final desta troca de galhardetes ainda está para ser conhecido, mas já estão feitos alguns estragos. Apoiantes da ANIMAL dizem que já não querem saber do PPA, e seguidores do PPA dizem que a ANIMAL teve falta de postura.

Como de costume quando o assunto se torna pessoal, eu fecho os olhos. E assino as duas petições. Ou as três. Este episódio, além de pouco dignificante para as partes envolvidas, pode acabar por permitir aos nossos opositores lucrar com estes "amuos" das pessoas que tomam partidos, seja pela ANIMAL ou pelo PPA.
A expressão "dividir para conquistar" caberia aqui como uma luva, pois esse é o risco que corremos se nos deixarmos levar nesta vaga de antipatias que assola os dois grupos. Pelo meio, poderá haver activistas que percam simplesmente a fé. Não na causa, mas nas pessoas.

Reconheço a ambas as parte - PPA e ANIMAL - a legitimidade para apresentar uma petição e quanto ao resto, não quero saber. Para mim não é relevante quem teve a ideia primeiro.

Quanto à ANIMAL, continuo a acreditar que, para o melhor e para o pior, é a maior e mais eficaz associação de direitos dos animais em Portugal.
E também acho que não cabe aos partidos (ou proto-partidos) políticos tentar fazer o trabalho das associações. O inverso também se aplica.

Em primeiro lugar, uma grande parte da população portuguesa desconfia de partidos políticos e muitas pessoas vêem mesmo um partido político (ainda que um com mérito) como pouco fiável, passível de mudar de posição. E a verdade é que a política implica quase sempre chegar a soluções de compromisso. Esse tipo de pessoas rejeitará, provavelmente, ser abordada na rua por membros do PPA, nem que seja para ler um folheto. Porque os partidos são vistos como angariadores de votos, não de opiniões.
Aquilo que é mera literatura informativa poderá passar por propaganda se oferecido pelas mãos de alguém identificado com um partido.

Por outro lado, um partido como o PPA dificilmente terá margem de manobra para tomar o tipo de posições que as associações rotuladas de "extremistas" ou "radicais" tomam. A não ser que queira alienar eleitores e até mesmo colaboradores directos.

Sobre isso, questiono-me o que acontecerá quando a questão das touradas for ultrapassada - porque vai ser ultrapassada - e ficarem as outras, as fracturantes.
No dia em que se debater sobre, por exemplo, o comércio de animais ditos "de estimação", qual será a posição do PPA?
Irá fazer cedências e legislar com vista a um maior controlo das condições em que os animais procriam e são vendidos, ficando mal visto perante pessoas que, como eu, se opõem a toda e qualquer forma de lucro à custa de animais? Ou irá opor-se publicamente à venda de animais, indo contra alguns dos seus apoiantes que são simultaneamente criadores de cães para venda?

Não tendo eu dotes de oráculo, prevejo que pelo caminho o PPA perca ou afaste alguns dos seus elementos, independentemente do seu grau de importância dentro do partido.
Com o tempo, acredito que este partido ainda embrionário venha a formar e a consolidar a sua identidade, seja como mediador das associações junto dos orgãos legislativos, tentando assegurar o mal menor para os animais não-humanos através de soluções de compromisso, ou através de um vínculo sem concessões a uma ética superior à política, passando a ser identificado como "fundamentalista" e "extremado" apenas por tentar garantir justiça e igualdade para os nossos "outros" irmãos.

Até lá, e porque as associações e os partidos são feitos de cidadãos e de cidadãs, os valorosos deverão continuar a lutar pela causa maior e, através do seu trabalho e experiência, contribuir para que ninguém se esqueça do objectivo final.
 

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