10 de ago. de 2008

Tradição e antropocentrismo - parte 1

Ao longo dos anos, tenho-me cruzado com pessoas, muitas vezes mais novas do que eu, que me dizem que, não gostando de ver touradas, aceitam que estas sejam realizadas e, por um ou outro motivo, lhes reconhecem o direito à existência. E sim, já privei com quem gostasse mesmo de touradas, com quem frequentasse a Festa do Colete Encarnado, malta que acha que aquilo é mesmo divertido, tradicional e merecedor de continuidade.

A estes últimos, nunca pude chamar "amigos". A ética é, para mim, um factor-chave para determinar se alguém entra na minha esfera de amizade. Se não tivermos a ética em comum, o que é que vamos ter? Os valores de cada um são, para mim, muito importantes. E como em tudo, há hierarquias e há valores que, a meu ver, são irrelevantes. Mas há outros que são fundamentais. Talvez o mais importante seja o respeito.

Tenho posições muito vincadas sobre alguns assuntos, posições que são sustentadas basicamente naquilo que entendo como sendo o respeito. No outro extremo da escala, está o egoísmo. O respeito e o egoísmo não se opõem directamente, mas enquanto que o primeiro é, para mim, um valor quase dogmático, o segundo é a marca dos seres abjectos, daqueles que não me merecem respeito.

Acredito que merecemos o tratamento que damos aos outros, quanto a isto não tenho dúvidas.

Por vezes, e porque as pessoas têm uma mentalidade muito fechada e, logo, cheia de preconceitos, surpreendo-as com algumas das minhas afirmações. Considero altamente insultuoso quando alguém me diz "B., como podes ser contra a despenalização do aborto? Tu és tão liberal!" Ou como já ouvi "Esperava outra mentalidade de uma pessoa com o teu aspecto." Só porque uma pessoa se veste de forma absolutamente informal, e eventualmente tenha alguns piercings ou tatuagens, não quer dizer que tenha uma placa na testa a dizer "Voto BE seja em que assunto for" (nada contra o BE, estou apenas a reforçar um estereótipo).

Vejamos, cada um de nós foi dotado de um cérebro que, a priori, nos possibilita fazer escolhas. E eu faço-as baseadas na minha escala de valores. Só para que ninguém pense que sou uma cabra retrógrada, deixo já claro que apoio o casamento e a adopção por pessoas do mesmo sexo (não digo "gay" porque estar com alguém do mesmo sexo não é o mesmo que ser gay, senão onde entram os bissexuais?). E sim, também acho que mais valia liberalizar as drogas leves e criminalizar o consumo de álcool. Digo isto porque nunca ouvi falar de alguém com uma grande moca chegar a casa e espancar a mulher e já bêbedos é aos montes...

Serviu este pequeno interlúdio para esclarecer que tenho opiniões, sim, e que estas são baseadas em escolhas pensadas e não em ideias pre-fabricadas adquiridas por contágio com grupo A ou B.

Falava eu de escolhas.

Muitos me dizem "É verdade, nunca gostei de ver touradas na TV, mas se os gajos gostam, deixá-los fazê-las, quem não gosta que não assista".

Nisso estamos de acordo, quem não gosta não é obrigado a assistir (a não ser quando está a fazer zapping; nessas alturas sinto-me uma avozinha que inadvertidamente se depara com uma cena de enrabanço ao fazer browsing às nove da noite - é chocante e desnecessário).

Podemos, então, não ver touradas. Mas não sei porquê, saber que um animal herbívoro de grande porte (e podia ser outro qualquer) está a ser achincalhado publicamente num resquício do circo romano e não fazer nada sobre o assunto parece-me um pouco como ir na rua e ver um tipo espancar o filho e não dizer nada. Ou ver um gajo dar um pontapé num cão e seguirmos o nosso caminho. Parece-me coisa de quem não tem espinha.

Fui criada por paizinhos ateus que, não me tendo transmitido nenhum dos tradicionais valores católicos de ajudar os que precisam, sempre foram pessoas de intervir ante uma injustiça flagrante. Foi uma das coisas que assimilei. Se não for eu a ajudar quem precisa, corro o risco de ninguém o fazer. E somos ou não somos todos agentes do bem? Temos ou não a obrigação de auxiliar os mais fracos?

A indiferença, meus amigos, faz de nós os prevaricadores.

"Devemos sempre tomar partido. A neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. O silêncio encoraja o torturador, nunca o torturado."
Elie Weisel, sobrevivente do Holocausto, 1986


Vivemos em sociedade, não em pequenas tribos. Temos leis comuns a milhares de pessoas. Por isso, se acharmos que algo é injusto, incorrecto e que martiriza os indefesos, cabe-nos a nós, aos que têm uma voz que eventualmente poderá ser ouvida, erguermo-nos e dizer "Eu não concordo, não está correcto, não podem continuar a fazê-lo."

Calma, que este texto vai por partes.

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