Vi agora no Telejornal uma reportagem sobre um jantar de solidariedade com o objectivo de angariar fundos para realizar "os sonhos de crianças com doenças terminais". O chef que elaborou as refeições aparentemente é muito conhecido e considerado o melhor do mundo.
Por um lado, questiono a necessidade de organizar eventos sociais para tratar de questões que deveriam permanecer no anonimato dada a sua naturaza supostamente altruista.
Ou seja, estes ricalhaços em vez de fazerem doações directas às instituições ou organizações que delas necessitam, preferem armar um circo que só se justifica dada a necessidade de aparecerem e serem vistos. Porque se fosse só para publicitar a causa em questão, haveria maneiras mais eficazes de o fazerem.
Em segundo lugar, quando estavam a mostrar a parte da confeção da comida, mostraram os tanques de cozedura de uns animais tipo lagostas. Já sabemos como é que esses bichos são cozinhados, certo? São escaldados vivos, o que é completamente indefensável e não pode ser justificado de forma alguma.
E mesmo que não fossem cozidos vivos, a situação continuaria a parecer-me injusta e imoral. Nomeadamente porque a solidariedade para com quem quer que seja não deve ser concretizada através do sangue alheio. Somos solidários para uns mas já não o somos para outros.
Sinceramente, os sonhos daquelas crianças não têm de custar a vida daqueles animais que eu vi com os braços estendidos para baixo, já mortos. Ajudar uns não implica prejudicar os outros.
Não sei se gostam de Eça de Queiroz*, mas ele escreveu um conto maravilhoso em que um monge encontra um moribundo e aceita responder ao seu último desejo, comer um presunto (ou lá qual é o nome técnico de uma pata de porco). Vai daí, o monge, não querendo tirar a vida a um pobre animal, corta uma perna a um porco (que obviamente acaba por morrer), cozinha-a e dá-a de comer ao moribundo, que morre pouco depois. Quando chega a altura do monge morrer, é levado a julgamento perante Deus e sabem o que lhe acontece? Vai direitinho para o Inferno. Que ideia fora essa de matar uma criatura de Deus inocente, perfeitamente saudável e com a vida pela frente para satisfazer a gula de alguém cuja hora já chegara?
Pois é, eu subscrevo este posicionamento moral a 100%. No caso do jantar que originou este post, nem sequer se trata de alimentar crianças famintas.
Nas minhas frequentes incursões em acções de activismo pelos Direitos dos Animais não-humanos, volta e meia lá ouço alguém dizer "Estes gostam mais dos animais do que das pessoas!" Pois, não é bem assim. Mas se for, também estamos no nosso direito.
Onde é que foi estabelecido que os seres humanos são "superiores" aos animais de outras espécies? Ah, deve ter sido num daqueles livros** que eu não li. Nem eu nem a maioria das pessoas, mas por algum motivo continua a ditar a pouca ética que a maioria dos humanos possui.
Adiante.
Amar o próximo e auxiliá-lo pode ser estendido às várias espécies (animais e vegetais) e dar a uns não significa tirar a outros. Acho até engraçado quando um desses cromos diz "Olha estes dos animais, em vez de andarem a fazer qualquer coisa pela pobreza ou pela ____ (inserir aqui causa social)!" Dá vontade de responder "E você, o que é que tem feito pelos pobrezinhos/refugiados/prisioneiros políticos/doentes/etc? Nada, não é?"
Parece que a sociedade se divide entre aqueles que se estão verdadeiramente a marimbar (props para vocês, que ao menos não incomodam), os que activamente defendem aquilo em que acreditam e uma massa amorfa de gente que, não fazendo nada, exige que os anteriores se mexam em prol das causas que acha mais válidas.
Há uns tempos, fui abordada por voluntários da Amnistia Internacional e estive um bocado a falar com eles. Ao que parece, nesse dia, eu fora a primeira pessoa a parar e a ouvir o que eles tinham para dizer. E já eram 4 da tarde... A nossa sorte é que este nosso país está cheio de gente boa e solidária...
Fica aqui um exemplo que eu considero mais genuíno da promoção do bem-estar dos que mais precisam. Os nossos amigos do Movimento Internacional para a Consciência de Khrisna (i.e. Mov. Hare Krishna), que várias vezes distribuiram refeições gratuitas em manifestações pelos direitos dos animais, e que semanalmente servem refeições vegetarianas*** aos sem-abrigo e pessoas carenciadas de Lisboa e Porto:
"Uma das iniciativas do Movimento Hare Krishna, o programa FOOD FOR LIFE (Alimentos para a Vida) promove a distribuição gratuita de alimentação lacto vegetariana entre as populações que vivem abaixo da linha de pobreza, estando presentes em todos os continentes.
A ISKCON (International Society for Krishna Counciousness) foi fundada em 1966 pelo mestre espiritual Srila Prabhupada.O primeiro centro foi inaugurado em Nova Iorque, onde se inicaram os famosos "Festivais de Domingo". Divulgada a noticia da distribuição gratuita destas refeições vegetarianas, cozinhadas pelo próprio Srila Prabhupada, rpidamente o Centro se encheu, recebendo cerca de 200 pessoas por semana.
A distribuição de comida foi mais longe. O programa "Food for Life" foi criado por Prabhupada em Mayapur (Bengala Ocidental) em 1972. Depois de ter visto as crianças disputando comida com os cães , nas ruas da aldeia, ele declarou:
'NINGUÉM DEVERÁ PASSAR FOME NUM RAIO DE 10 KM DE ALGUM DOS NOSSOS TEMPLOS.'
[...]
Em Lisboa o programa de distribuição de refeições teve inicio no dia 6 de Dezembro de 1995, e no Porto no inicio de Março de 2002,e constitui uma das actividades mais relevantes que a ISKCON realiza neste momento. Em Lisboa, todas as segundas feiras por volta das 18 horas, em frente a Estação de Santa Apolónia, são servidas cerca de 100 refeições aos sem-abrigo, cujo número tem vindo a aumentar significativamente.No Porto a distribuição realiza-se também uma vez por semana, às quartas feiras pelas 21 h, sendo o local a Rua da Madeira, ao lado da Estação de S. Bento, com uma média semanal de 60 a 80 refeições servidas, número este também tendencialmente crescente. Ocasionalmente distribuem-se roupas e agasalhos."
* recuso-me a escrever "Queirós", tendo em conta que o fulano em vida foi registado como "Queiroz"
** por "livros" refiro-me ao Velho Testamento, ao Novo Testamento e ao Corão
*** ovo-lacto vegetarianas
23 de nov. de 2008
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2 comentários:
Concordo perfeitamente com os teus comentários sobre os «eventos de caridade». Se é para ajudar, poupem o dinheiro que gastam nestas festanças e apliquem-no nas causas.
Não conhecia o programa "Food for life". Louvável. Vou passar a parar quando for abordada pelos senhores de cor de laranja. Assim como assim, se já temos de parar pelas senhoras jeovás...
Eu às senhoras costumo dizer que gosto muito das revistas Sentinela e Despertai e que já estou sensibilizada. ;)
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